Em provimento publicado no dia 13 de junho, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulou a manifestação em redes sociais e o uso do e-mail institucional por membros e servidores do Poder Judiciário. Com a intenção de proibir a manifestação considerada político-partidária de juízes, o documento assinado pelo Corregedor Nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, surpreendeu magistrados de todo país.
O Provimento 71/18 dispõe no seu artigo 2º que a liberdade de expressão não pode ser utilizada pela magistratura para justificar atividade político-partidária, e que a vedação constitucional de atividades desse tipo a membros da magistratura abrange quaisquer situações que evidenciem apoio público a candidato ou a partido político, inclusive manifestações em redes sociais.
Em nota de repúdio, a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) classificou a norma como “ferramenta de censura”:
O ato da Corregedoria Nacional de Justiça pretende claramente cercear a liberdade de expressão dos magistrados, direito garantido pela Constituição Federal, o que não pode ser permitido em nenhuma hipótese, com o risco de ferir gravemente o Poder Judiciário e toda a nação.
Para Marcelo Semer, juiz de direito e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia:
O provimento é absolutamente inconstitucional. Não só porque amplia restrição prevista na Constituição, como pretende submeter direito fundamental à interpretação de um provimento. Na verdade, por meio de um ato unilateral, proferido já próximo ao final de sua gestão, o corregedor cria novo âmbito de punição, quase em um ato institucional. Uma ‘Medida Provisória da Mordaça’.
O juiz do trabalho Átila da Rold Roesler também criticou a medida, classificando-a como atentatória à Constituição: “É a verdadeira lei da mordaça que viola o direito fundamental à liberdade de expressão previsto como cláusula pétrea na Constituição Democrática de 1988. Algo lamentável e nunca antes visto no Poder Judiciário brasileiro”.
O que diz o texto do Provimento 71/18 – O documento dispõe que a referida vedação não impede os magistrados de exercerem o direito de expressar publicamente convicções pessoais desde que tais manifestações não caracterizem, ainda que de modo informal, atividade com “viés político-partidário” ou que “evidenciem apoio a candidatos ou partidos”. Entretanto, para muitos magistrados existe uma lacuna interpretativa capaz de amordaçar a liberdade de expressão dos juízes e ainda criar uma diferença de tratamento na hora do julgamento de casos concretos. Para Marcelo Semer:
O texto tenta regular a manifestação pública de juízes por meio de expressões vagas e dúbias, como ‘atividade com viés político-partidário’ ou ‘situações que evidenciem apoio público a candidato ou a partido político’. A ambiguidade permite diversas leituras, e não é gratuita. O próprio corregedor em sua gestão teve oportunidade de instaurar processo administrativo contra juízes que criticaram a ruptura institucional do impeachment, mas nada fez em relação a quem fez campanha aberta pela deposição da presidenta [Dilma Rousseff]. Confio que o Conselho Nacional de Justiça suspenderá o ato para pensar a questão coletivamente.
O texto do provimento não deixa claro como serão feitas as interpretações sobre o que seria atividade político-partidária, tornando confusa e ambígua a redação do corregedor.
Em uma tentativa de tornar mais clara a proposta, o provimento busca explicar o que seria a tal manifestação político-partidária: “não caracteriza atividade político-partidária a crítica pública a ideias, ideologias, projetos legislativos, programas de governo e medidas econômicas, sendo vedadas, contudo, críticas pessoais a candidatos, lideranças e partidos políticos que visem prejudicá-los perante a opinião pública” (art. 2˚, § 3º).
No mesmo documento, o CNJ recomenda aos magistrados agir com “reserva, cautela e discrição” ao publicarem seus pontos de vista nos perfis pessoais nas redes sociais. Determina também que evitem pronunciamentos sobre casos em que atuaram. Quanto ao uso do e-mail funcional, estabelece que este seja utilizado exclusivamente para a execução de atividades institucionais.
Leia o provimento 71/2018 na íntegra.