A reorganização da carreira de assessor jurídico foi o grande objetivo da Assejur em 2017. O tema chegou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que reconheceu a especificidade das funções exercidas pelos profissionais do direito vinculados à Secretaria do Tribunal de Justiça. Vários documentos elaborados pela entidade de classe serviram de base para mobilizações em defesa da eficácia do artigo 56 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado, que estabelece que “o assessoramento jurídico nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e a representação judicial das autarquias e fundações públicas serão prestados pelos atuais ocupantes de cargos e empregos públicos de advogados, assessores e assistentes jurídicos estáveis que, nos respectivos Poderes, integrarão carreiras especiais”. Uma síntese dos argumentos defendidos pelos assessores jurídicos foi publicada no número 1 da Revista da Assejur, lançado em dezembro de 2017. Leia, abaixo, a íntegra do estudo.
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A carreira de assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e a Resolução nº 219/16, do Conselho Nacional de Justiça
1. Introdução
Em 31 de agosto de 2017, o ex-conselheiro Carlos Eduardo Oliveira Dias, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), proferiu decisão liminar no pedido de providências nº 0006315-78.2017.2.00.0000, formulado pela Anjud (Associação dos Analistas Judiciários do Paraná) contra o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, determinando: i) a apresentação, no prazo de noventa dias, de “cronograma para a distribuição da força de trabalho excedente […], nos termos dos artigos 3º e 12 da Resolução nº 219/16, observando o disposto na Resolução nº 88/09 […]”; e ii) o cumprimento, no mesmo prazo, do disposto no parágrafo único do artigo 22 da Resolução nº 219/16, de modo a promover estudos e elaborar anteprojeto de lei “visando à unificação das carreiras dos seus servidores, sem distinção entre cargos efetivos, cargos em comissão e funções de confiança de primeiro e de segundo graus, igualmente com a participação das entidades indicadas no item anterior”. Posteriormente, o conselheiro Rogério Soares do Nascimento, indicado para a relatoria, modificou o item “ii” do despacho anterior, esclarecendo que a unificação mencionada ali diz respeito, apenas, a carreiras equivalentes.
Em torno dessas decisões é que se fazem os apontamentos detalhados na continuidade.
2. A inaplicabilidade da resolução nº 219/16 aos assesssores jurídicos
A atuação dos assessores jurídicos do quadro efetivo do Tribunal de Justiça destina-se, fundamentalmente, à área de consultoria jurídica, com contornos peculiares que a distinguem de qualquer outra carreira existente no Judiciário paranaense. Isso foi reconhecido pelo conselheiro Rogério Soares do Nascimento, que afirmou em seu despacho:
Considerando os elementos novos acostados aos autos pela Assejur, vislumbro a necessidade de adequação do dispositivo da decisão concessiva de liminar pendente de ratificação. Explico. […] A incerteza, substancial, quanto à existência de cargos equivalentes em natureza, complexidade e responsabilidade recomenda cautela. Vale lembrar que, a teor das informações apresentadas pela Assejur, a carreira de assessor jurídico parece ter características peculiares, o que, neste juízo precário, próprio do momento processual inicial, constituiriam impeditivo à unificação.
Diante dessa especificidade, que relaciona as funções do cargo de assessor jurídico à prestação de consultoria jurídica aos ordenadores de despesas (Presidente e Secretário do Tribunal de Justiça), conclui-se pela inexistência de atividades que possam ser realizadas por integrantes da carreira em unidades judiciárias do primeiro grau. O artigo 2º da Resolução nº 219/16 apresenta conceitos sobre o que se entende por “áreas de apoio direto à atividade judicante”, “unidades judiciárias de primeiro grau” e “unidades judiciárias de segundo grau”. Nessa estrutura, os assessores jurídicos se enquadram no inciso IV do dispositivo, segundo o qual o apoio administrativo à atividade judicante é exercido por “setores sem competência para impulsionar diretamente a tramitação do processo judicial […]”. Já o artigo 3º da norma restringe a distribuição de servidores às áreas de apoio direto à atividade judicante, descritas no inciso I do artigo 2º, estabelecendo: “A quantidade total de servidores das áreas de apoio direto à atividade judicante de primeiro e de segundo graus deve ser proporcional à quantidade média de processos (casos novos) distribuídos a cada grau de jurisdição no último triênio […]”.
2.1. O artigo 35 da Lei Estadual nº 16.748/10, que proíbe que integrantes do quadro de pessoal do primeiro grau sejam lotados na Secretaria do Tribunal de Justiça
Como o debate envolve a priorização de serviços no primeiro grau, é oportuno destacar, entre vários outros fatores, a existência, no âmbito do Tribunal de Justiça, de preceito legal que proíbe que funcionários de cartórios judiciais sejam lotados ou designados para atuar na Secretaria. Trata-se do artigo 35 da Lei Estadual nº 16.748/10, anterior às resoluções do CNJ abordadas neste documento, que estabelece:
Os integrantes do quadro de pessoal do primeiro grau de jurisdição poderão ser lotados em qualquer das unidades judiciárias, nos termos de regulamento a ser expedido pelo Presidente do Tribunal de Justiça, sendo vedada a lotação, bem como nomeação para cargo de provimento em comissão, no âmbito da Secretaria do Tribunal de Justiça.
A finalidade desse preceito consiste em impedir o esvaziamento de mão-de-obra no primeiro grau. Por ele, os servidores que estão lá, em decorrência da escolha e do concurso público que fizeram, não poderão ser transferidos para Departamentos do Tribunal. Essa mesma ideia é inspiradora da Resolução nº 194/14, do CNJ, que “institui Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição e dá outras providências”, e contém o pressuposto de que as funções ligadas à atividade jurisdicional nem sempre se identificam com as de caráter administrativo. Ou seja, da mesma forma que o deslocamento de servidores do primeiro para o segundo grau encontra limitações legais, a possibilidade de se fazer o caminho inverso não é absoluta. Há diferenças que precisam ser preservadas.
Daí que a chamada unificação de carreiras, determinada pela Resolução nº 219/16, está condicionada a dois fatores: i) impossibilidade de deslocamento de servidores do primeiro para o segundo grau; e ii) possibilidade de deslocamento de servidores do segundo para o primeiro grau, desde que observada a equivalência de funções, conforme decisão liminar proferida pelo conselheiro Rogério do Nascimento nos autos de pedido de providências nº 0006315-78.2017.2.00.0000. Em outras palavras, o CNJ preconiza a unificação dos quadros de pessoal e das tabelas de vencimentos, mas o faz sob condições específicas, e não de modo indiscriminado. Essas condições deverão estar presentes em todo e qualquer projeto de lei que venha a ser elaborado, por iniciativa do Poder Judiciário, para regulamentar a matéria.
3. A unificação e os limites estabelecidos pelo CNJ
A primeira liminar deferida no pedido de providências nº 0006315-78.2017.8.16.6000, em trâmite no CNJ, foi modificada pelo conselheiro Rogério do Nascimento. Este, após ser indicado para relatar o feito, reconheceu que o cargo de assessor jurídico do quadro da Secretaria do Tribunal de Justiça apresenta características peculiares que impedem a sua unificação com qualquer outra carreira. Por isso a ressalva, na parte dispositiva, de que a unificação somente poderá abranger carreiras equivalentes. O relator, de forma acertada, confirmou que a carreira de assessor jurídico é distinta da carreira de analista judiciário (especialidade em Direito), tomada como base de comparação pelo ex-conselheiro Carlos Eduardo Oliveira Dias. De fato, não existem, na estrutura do Poder Judiciário do Paraná, funções de consultoria atribuídas a profissionais que não façam parte do quadro de assessores jurídicos. Esse setor, pela complexidade e responsabilidade das tarefas que lhe são inerentes, tem identidade com outras classes de agentes públicos, integradas por procuradores do Estado, da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Contas. É, afinal, o que estabelece o artigo 56 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Paraná. Desde que se buscasse, a partir de uma interpretação absoluta – e, de certo modo, distorcida – da Resolução nº 219/16, a unificação de todos os cargos ocupados por bacharéis em Direito, estar-se-ia a dar abrigo ao mecanismo da transposição, proibido pelo sistema de organização do serviço público disciplinado pela Constituição de 1988. E não é isso, evidentemente, o que o CNJ pretende.
3.1. A natureza constitucional do cargo de assessor jurídico
Destacada na respectiva Constituição Estadual, a carreira de assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Paraná possui natureza e funções especiais na esfera administrativa do Poder Judiciário. Por se tratar, necessariamente, de carreira especial, os cargos públicos que a integram, providos por concurso público de provas e títulos, detêm garantias de existência, de especialidade e de funcionamento independente, extraídas do artigo 56 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, referido antes, que dispõe:
O assessoramento jurídico nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e a representação judicial das autarquias e fundações públicas serão prestados pelos atuais ocupantes de cargos e empregos públicos de advogados, assessores e assistentes jurídicos estáveis que, nos respectivos Poderes, integrarão carreiras especiais.
Consta dos parágrafos desse dispositivo:
§ 1º. O assessoramento jurídico, nos órgãos do Poder Executivo, será coordenado pela Procuradoria-Geral do Estado, objetivando atuação uniforme.
§ 2º. As carreiras de que trata este artigo serão criadas e organizadas em classes por lei de iniciativa dos chefes dos respectivos Poderes, no prazo de noventa dias da promulgação desta Constituição.
§ 3º. Aos integrantes dessas carreiras aplica-se, no que couber, o disposto no artigo 125, §§ 2º e 3º, desta Constituição.
Ressalte-se que todo o artigo 56, incluídos os seus três parágrafos, foi objeto de exame de constitucionalidade pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal. Este, no julgamento da ADI nº 175/PR, afirmou a sua validade constitucional[1], além ter definido os contornos das atividades típicas dos assessores jurídicos do Tribunal de Justiça. Constou do voto do relator, ministro Octavio Gallotti:
É certo que não possuindo – as Assembleias e os Tribunais – personalidade jurídica própria, sua representação em juízo é normalmente exercida pelos procuradores do Estado. Mas têm, excepcionalmente, aqueles órgãos, quando esteja em causa a autonomia do Poder, reconhecida capacidade processual, suscetível de ser desempenhada por meio de procuradorias especiais (se tanto for julgado conveniente, por seus dirigentes), às quais também podem ser cometidos encargos de assessoramento jurídico das atividades técnicas e administrativas dos Poderes em questão (Assembleia e Tribunais).
O ministro Neri da Silveira, acompanhando o entendimento manifestado pelo relator, destacou:
De observar é, destarte, que as atribuições dos assessores jurídicos do Poder Judiciário, no Paraná, correspondem, também, ao núcleo básico das carreiras jurídicas, quanto aos serviços de consultoria, assessoramento jurídico e inclusive representação, nas hipóteses acima enumeradas.
No mesmo sentido, afirmou o ministro Sepúlveda Pertence:
[…] Os assessores jurídicos do Judiciário são funcionários, não só estáveis, mas concursados. Na verdade, em relação aos do Judiciário e do Executivo, exercem funções paralelas àquelas que exercem os procuradores do Estado, pelo menos, no âmbito de consultoria.
Esse julgamento serviu como leading case no Supremo Tribunal Federal, que reconheceu e permite a criação e manutenção de consultorias jurídicas, ou mesmo de procuradorias jurídicas independentes nos Poderes Judiciário e Legislativo e no Tribunal de Contas.[2]
A carreira de assessor jurídico encontra embasamento não apenas no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (artigo 56), mas também no corpo da Constituição Estadual, que, no seu artigo 124, inciso I, confere à Procuradoria Geral do Estado “a representação judicial e extrajudicial do Estado e a consultoria jurídica do Poder Executivo”. Ora, se os procuradores do Estado atuam como consultores jurídicos do Poder Executivo – e exclusivamente do Poder Executivo –, a única conclusão possível, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já destacada, indica que aos assessores jurídicos concursados do Tribunal de Justiça cabe o exercício da consultoria jurídica do Poder Judiciário.
Em suma: a carreira de assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná já teve sua constitucionalidade afirmada com eficácia vinculante, nos termos do artigo 102, § 2º, da Constituição da República, e definida sua função, pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, como equivalente à atividade de consultoria e de procuradoria, componente do “núcleo básico das atividades jurídicas” incumbidas da defesa dos Poderes do Estado (Ministro Nery da Silveira, ADI nº 175).
3.2. As atribuições do cargo de assessor jurídico
As atribuições do cargo de assessor jurídico constam do Anexo I da Lei Estadual nº 16.748/10:
Art. 1º. Ao assessor jurídico de provimento efetivo incumbe:
I – assessorar a Administração no controle da legalidade de seus atos mediante o exame e elaboração de propostas, anteprojetos, projetos e minutas de atos, contratos, acordos, convênios ou ajustes, entre outros;
II – emitir pareceres jurídicos em processos administrativos e sobre questões decorrentes da aplicação de leis e atos normativos;
III – examinar ordens e decisões judiciais e orientar quanto ao seu exato cumprimento;
VI – assessorar os Desembargadores e Juízes Substitutos de 2º Grau, dando-lhes apoio de ordem jurídica em pesquisas e nos processos.
Recentemente, o Decreto Judiciário nº 221/17, do Tribunal de Justiça, regulamentou os critérios de lotação e relotação dos assessores jurídicos, destacando em seus “considerandos”: i) “a existência de carreira especial, com atribuições exclusivas de assessoramento jurídico no Poder Judiciário, nos termos do artigo 56 do ADCT da Constituição do Estado do Paraná e da Lei Estadual nº 16.748, de 29 de dezembro de 2010”; ii) a obrigatoriedade de parecer jurídico em procedimentos relativos a contratações com a administração pública; iii) a obrigatoriedade de manifestação da Assessoria Jurídica nos procedimentos de aplicação de sanções a empresas contratadas pelo Tribunal; e iv) a necessidade de prévia manifestação jurídica, por meio de parecer, em procedimentos administrativos de aposentadoria, pedidos de enquadramento funcional, licenças e outros afastamentos, nos atos de ordenação de despesas de pessoal e de custeio, inclusive daquelas de responsabilidade dos Fundos Especiais.
Junto com esse diploma normativo, foi publicado o Decreto Judiciário nº 222/17, também do Presidente do Tribunal de Justiça, que estabeleceu:
Art. 4º. O parecer deverá ser elaborado como resultado de estudos e análises jurídicas de natureza complexa que exijam aprofundamento, como também para responder consultas que exijam a demonstração do raciocínio jurídico e o seu desenvolvimento.
§ 1º. A emissão de parecer jurídico é privativa dos servidores ocupantes do cargo efetivo de assessor jurídico que detêm atribuição exclusiva de prestar consultoria jurídica ao Poder Judiciário do Estado do Paraná.
§ 2º. É assegurada a autonomia do assessor jurídico [do Tribunal de Justiça] quanto ao conteúdo do parecer, podendo ser responsabilizado por essa manifestação, em casos de dolo, má-fé ou erro inescusável.
Como se vê, no Tribunal de Justiça, por imposição constitucional, apenas assessores jurídicos de carreira podem executar, na esfera administrativa, as funções dos seus cargos, destacando-se, precipuamente, a atividade exclusiva de elaboração de parecer jurídico. Não por outro motivo, há, nos órgãos superiores e nos Departamentos do Tribunal de Justiça, Assessorias Jurídicas especializadas, compostas por profissionais incumbidos de analisar a legalidade prévia dos atos administrativos, orientando e prevenindo danos futuros à administração. Funcionam tais estruturas como verdadeiras consultorias jurídicas preventivas.
Seja nas áreas de Patrimônio, Serviços Gerais, Tecnologia da Informação e Comunicação, Engenharia e Arquitetura ou Transportes, os procedimentos de compras, quando instaurados, demandam, necessariamente, a análise prévia da legalidade dos atos, por meio de pareceres jurídicos. Os assessores também estão incumbidos da aprovação formal de editais de licitação, – atividade na qual assumem responsabilidade solidária com o gestor público –, das respostas a impugnações em certames licitatórios (pregões eletrônicos, presenciais, concorrências ou cartas-convite), da defesa dos atos administrativos de licitação, das informações em mandados de segurança, bem como da redação e da elaboração de minutas contratuais, termos aditivos, termos de reajuste, repactuação e reequilíbrio econômico-financeiro de contratos terceirizados.
Afora isso, as atividades que exigem parecer jurídico não se limitam a compras e licitações, mas alcançam assuntos funcionais de todas as naturezas (concessões de benefícios, projetos de leis de iniciativa do chefe do Poder Judiciário, procedimentos disciplinares, aposentadorias de servidores e magistrados), além da aplicação de penalidades a empresas contratadas e da defesa de atos administrativos do Tribunal de Justiça perante instâncias externas de controle – incluído o CNJ –, tudo conforme previsão contida no Regimento Interno da Secretaria do Tribunal de Justiça.
Nenhuma outra carreira administrativa no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná tem ou teve, entre suas atribuições funcionais, a previsão de desempenho de atividades jurídicas de controle interno da legalidade dos atos da administração. Aliás, sequer há, no primeiro grau de jurisdição, funções que demandem pareceres jurídicos nas matérias já citadas, mas tão somente espaço para laudos técnicos (denominados impropriamente de pareceres) nas áreas de Psicologia e Assistência Social, vinculados a processos judiciais.
É que os juízes de primeiro grau não são ordenadores de despesas, condição atribuída somente ao chefe do Poder Judiciário e ao titular da Secretaria do Tribunal de Justiça. Eis o motivo por que toda a estrutura de liberação e de validação jurídica referente ao dispêndio de dinheiro público está alocada administrativamente na sede da instituição. Dito em outras palavras, não existem Assessorias Jurídicas em funcionamento no primeiro grau de jurisdição do Poder Judiciário do Estado do Paraná. A carreira de assessor jurídico não faz parte nem do primeiro nem no segundo grau de jurisdição, mas se encontra atrelada à administração do Tribunal de Justiça (quadro da Secretaria). É dizer: o sistema burocrático do Tribunal de Justiça – Secretaria, Departamentos e Assessorias Jurídicas – tecnicamente não compõe nem o primeiro nem o segundo grau de jurisdição, mas sim a estrutura hierárquica e escalonada do órgão em si. Por consequência, não há parâmetro de igualdade e isonomia que permita englobar a carreira de assessor jurídico na de qualquer outra, já existente ou que venha a ser criada no Poder Judiciário.
3.3. O CNJ já reconheceu a natureza especial da carreira de assessor jurídico
Sob o aspecto administrativo, o Tribunal de Justiça do Paraná submeteu-se à inspeção do CNJ instaurada pela Portaria nº 237, de 23 de outubro de 2009. A atuação do órgão fiscalizador, naquela oportunidade, foi tão criteriosa que se pode dizer que traçou um mapa do funcionamento da Corte do Paraná, resultando num processo de reorganização da máquina administrativa. As conclusões do procedimento foram lançadas no Relatório Final de Inspeção nº 17/09, no qual se afirmou o caráter especial da carreira de assessor jurídico, com destaque para a natureza técnico-especializada das suas funções.
No referido documento, o CNJ determinou ao Tribunal de Justiça do Estado que promovesse a segregação das funções dos assessores jurídicos em relação às demais atividades e carreiras do Poder Judiciário, pois constatou que havia, então, profissionais da área cumulando, além da elaboração de pareceres jurídicos e da fiscalização da legalidade de atos administrativos, diversas atividades ordinárias e burocráticas de administração ativa, tais como a gestão de contratos e a fiscalização de serviços, que foram consideradas como totalmente estranhas à carreira. Algumas medidas foram adotadas pela Justiça estadual a partir dessa orientação, tais como:
1ª) Criação de Assessorias Jurídicas setorizadas, em planejamento de paulatina especialização, compostas exclusivamente por assessores jurídicos (Departamento do Patrimônio, Departamento de Gestão de Serviços Terceirizados, Departamento de Tecnologia da Informação e Comunicação, Departamento de Gestão em Recursos Humanos, Departamento da Magistratura e Corregedoria da Justiça, além das Assessorias Jurídicas da Presidência e da Secretaria).
2ª) Regulamentação detalhada das funções de assessor jurídico, com distribuição da força de trabalho e estabelecimento de critérios de lotação e relotação em unidades administrativas do Tribunal de Justiça.
3ª) Especialização do atendimento consultivo dos assessores jurídicos, em matéria de compras e licitações, em quatro grandes grupos: Patrimônio, Tecnologia da Informação, Serviços Gerais e Engenharia e Arquitetura.
4ª) Segregação das atividades prestadas pelas Assessorias Jurídicas em relação às atividades desempenhadas pelos demais setores administrativos do Tribunal de Justiça, assegurando-se, àquelas estruturas de assessoramento, a prerrogativa exclusiva de validação jurídica de procedimentos e atos administrativos, de modo a evitar a ocorrência de desvio de função (artigo 39 da Lei Estadual 16.024/08 e Súmula 378 do Superior Tribunal de Justiça), ilegalidade que gera prejuízos ao erário e responsabilização dos gestores públicos.
4. Síntese dos óbices à unificação da carreira de assessor jurídico com qualquer outra no âmbito do Poder Judiciário
O caráter especial da carreira de assessor Jurídico do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná decorre de opção do poder constituinte e das peculiaridades do cargo. Em outras palavras: trata-se de carreira constitucionalmente assegurada, componente do núcleo básico de atividades incumbidas da defesa dos Poderes estatais (ADI 175/STF), não podendo ser unificada com outra que não tenha sido criada para esse fim específico. Tal unificação violaria: i) o artigo 39, §§ 1º e 3º, da Constituição Federal; ii) a inteligência do artigo 124, inciso I, da Constituição do Estado do Paraná; iii) o artigo 56 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Paraná; iv) a autoridade de decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal dotada de eficácia vinculante (ADI nº 175/STF); v) as disposições constantes da Lei Estadual nº 16.748/10 (Plano de Cargos e Salários do Poder Judiciário do Estado do Paraná), bem como as normas que a regulamentam; vi) o princípio da segregação de funções, reconhecido pelo CNJ no Relatório Final nº 17/09, referente a inspeção realizada no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná; vii) o artigo 26 da Resolução nº 219/16, do CNJ, que assegura que as peculiaridades locais das carreiras sejam consideradas para retirá-las da proposta de unificação; e viii) a vedação à transposição vertical em cargo público, consoante Súmula Vinculante nº 43/STF, o que ocorreria se outra carreira do Tribunal de Justiça passasse a desempenhar funções típicas de assessor jurídico.
5. Considerações finais
A carreira de assessor jurídico tem fundamento constitucional, equiparando-se, na estrutura do serviço público, àquelas que recebem atribuições de defesa institucional do Estado. Sua importância na organização administrativa do Tribunal de Justiça, com atuação em seus vários Departamentos e diretamente em seus organismos de cúpula, é incontroversa. Note-se que a formação de consultorias especializadas, com capacidade de representação judicial nos casos de conflitos entre Poderes, especificamente, é tendência assimilada pelo Supremo Tribunal Federal. Esse entendimento consta do voto proferido perla Ministra Ellen Gracie na ADI nº 1.557-5/DF, já mencionada:
[…] Definiu este Supremo Tribunal Federal a ocorrência de certas situações em que um determinado Poder necessite estar em juízo praticando, por si mesmo e validamente, uma série de atos processuais na defesa de interesses peculiares que assegurem sua autonomia ou independência frente aos demais Poderes. No julgamento definitivo da ADI 175 […], na qual se examinava a constitucionalidade de carreiras de assessoramento jurídico nos Poderes Legislativo e Judiciário do Estado do Paraná, essa peculiar capacidade processual foi reconhecida […]
No Judiciário do Paraná, como referido na ADI nº 175/PR, esse corpo técnico já existe, está de acordo com a Constituição Federal e é integrado por assessores jurídicos do quadro efetivo. Resta aperfeiçoar a regulamentação da carreira, de modo a caracterizar com maior precisão as suas funções. Nessa linha de raciocínio, duas medidas são recomendáveis:
1ª) Alteração do nome do cargo, de assessor jurídico para consultor judiciário ou procurador judiciário, com o objetivo de identificar melhor a natureza das atribuições respectivas, evitando-se confusão terminológica com o cargo de assessor comissionado, de livre nomeação.
2ª) Regulamentação da capacidade postulatória conferida aos assessores jurídicos pela Constituição Estadual e reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 175/PR, para o fim específico de representação do Tribunal de Justiça nos casos de conflito de interesses com os demais Poderes.
Este documento é uma síntese de várias manifestações apresentadas em 2017 pela Assejur ao CNJ e ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em 2017, com a colaboração dos seguintes assessores jurídicos: Ana Maria Souza de Moraes, Elisane Glinski, Diego Martins Nadal, Diego Saborido Gazziero, Larissa Guimarães, Marcel Tadao Kawata, Marcelo Oliveira dos Santos, Mariana da Costa Turra Brandão, Marco Aurélio Franchello Ortiz, Pedro Felipe Wosch de Carvalho e Vitório Garcia Marini.
[1] ADI 175. Relator: Ministro Octavio Gallotti Tribunal Pleno. Julgado em 3/6/93, DJ 8/10/93.
[2] Cf.: i) STF (Plenário), ADI 1.557/DF. Relatora: ministra Ellen Gracie (31/3/04). DJ: 18/6/04; ii) STF (Plenário), ADI 94. Relator: ministro Gilmar Mendes. DJe-238: 15/12/11; iii) STF (Plenário), ADI 4.070. Relatora: ministra Cármen Lúcia. DJe-168: 31/7/17.